quarta-feira, 29 de julho de 2015

Pra não esquecer...

É com "Best day of my life" que começo a encarar essa página em branco na minha frente...
O motivo é porque essa é a música que ouvi no final de semana, e que ficou na minha cabeça desde então. Não sei exatamente se foi o melhor dia da minha vida (porque por alguns minutos, que pareciam uma eternidade, foi o pior), mas foi TÃO gratificante, tão único, que é só nisso que consigo focar.
Tem apenas dois dias e eu, sinceramente, não paro de pensar na simpatia da Nycole, e nos olhinhos do Luan. Duas crianças tão lindas, tão inocentes, tão cheias de carinho, e vivendo no meio do lixo, de moscas, de porcos, de todo tipo de perigo visível e invisível.
Tão injusto.
Nycole cortou o pé com um pedaço de garrafa quebrada que estava camuflada lá no meio do lixo perto da gente e quando a pedi pra limpar com água pra que eu pudesse fazer um curativo, ela se direcionou pra uma água imunda que estava dentro de um balde jogado no "quintal". Eu disse que aquela água era suja e ela se virou pra outro lado e estava enfiando a mão em um barril, que estava igualmente sujo. Acho que ela não tem noção da sujeira. Ela nasceu e vive ali. O "quintal" dela é o lixo. Dentro da casa dela também não é limpo. O cheiro parecia até pior do que o que a gente acabou se acostumando lá de fora. O chão estava sujo da lama. O teto tinha teia de aranha com aranhas enormes. Isso na cozinha, na reta do fogão. Na pia haviam várias louças sujas, cobertas de moscas, como tudo o que fica parado naquele lugar (até a gente, se não tomar um banho de repelente). Eu falei com ela que iria limpar com água mineral e colocar band-aid. Ela perguntou o que era isso e eu tirei da bolsinha e mostrei a ela. Ela disse: "aahhh, minha mãe já teve isso".
A Nycole tem 7 anos e o jeito como ela falou essa frase me pareceu que um simples band-aid, algo tão básico na vida da gente, é algo que na dela é apenas uma coisa que a mãe já teve em algum momento. Ela é linda. Linda mesmo. É moreninha, tem cabelo cacheadinho, que estava preso cada cachinho com um elástico colorido. E ela é um amorzinho de pessoa. Querendo ajudar o tempo todo, querendo conversar, me contando que gosta de ficar assistindo dvd de desenho... Perguntei o que ela quer ser quando crescer e ela disse que será "médica de criança de dia, médica de grávida a tarde e médica de cachorro a noite". Perguntei "e que horas você vai dormir?", ela apenas sorriu e deu de ombros. Da pra ver o quanto o coraçãozinho dela é bom, só de ouvir essas respostas.
O Luan também é outro lindo, falando aquela "língua do T" tão difícil de entender. Ele deve ter uns 4 anos e as vezes é bem difícil conseguir decifrar o que ele está falando. Mas quando começa a se sentir a vontade, engata a conversa e não para mais. Os olhinhos dele são inesquecíveis! São diferentes. Grandes e cor de caramelo, bem amarelo. Nunca vi olhos daquela cor. São realmente lindos. O cabelinho também é lindo, com as pontas loirinhas. Dissemos pra ele que ele parecia um surfista com aquele cabelo, e perguntamos se ele ia a praia. Ele disse que nunca foi. O B. disse que ele parecia skatista e perguntou se já tinha andado de skate e ele disse que não também. Depois parei pra pensar: onde ele andaria de skate ali? Onde aquelas crianças brincam?
É muito triste aquela realidade, mas ainda assim eles conseguem ter sorriso no rosto, e sem forçar. Eles estão o tempo inteiro brincando, conversando com a gente, querendo ajudar, querendo se enturmar.
Eu ri muito quando o Tales perguntou ao B. se ele tinha mulher, e ele apontou pra mim dizendo que eu era namorada dele. O Tales disse: "mas ela é muito bonita pra você!". Ficamos rindo e depois ele falou "tô brincando viu? não me bate não." hahaha. Ele é muito bonito também, com um sorriso todo certinho. E é cheio de ideias e soluções para os problemas que estávamos tendo, tipo a cavadeira que quebrou e ele conseguiu arrumar não só a parte que quebrou, como também o lado oposto que estava cheio de pontas que poderiam machucar, e ele martelou tudo até ficar uma superfície lisa pra não arranhar ninguém. Ele não precisava ter feito aquilo. Mas fez porque queria ajudar a gente. Ele me lembra muito meu primo I. quando era mais novo. Tanto fisicamente quanto no jeito de querer solucionar as coisas.
O Riquelme também é um lindo, com aqueles olhos assustados tão expressivos.
As crianças nessa família são muito bonitas. Cada uma com sua particularidade. E muito apaixonantes com aquele jeitinho fofo de cada uma.

Eu disse lá no início que por uns minutos foi o pior dia da minha vida porque realmente foi. Nunca me senti tão perto da morte como anteontem.
Era muito cedo e ainda tinham alguns adolescentes voltando de uma festa. Um deles, muito bêbado, cheirado, sei lá o que ele estava, depois de um mal entendido ameaçou atirar na gente (eu e as 3 meninas) quando estávamos voltando de pegar pedras pra fundação da casa. Ficamos com tanto medo que largamos os baldes de pedra no chão e corremos pro local da casa. Eu não sei como consegui chegar em pé até lá. Sentei na mesma hora que cheguei, tendo a certeza que desmaiaria.  Estava tudo rodando muito. Não sei de onde tirei forças pra não desmaiar. Eu tremia meu corpo inteiro. E quando pensei que não podia ficar pior, o garoto tinha achado o caminho que fizemos e de repente estava chegando lá no local da construção. Eu tive certeza que ia morrer com um tiro ali e a única coisa em que eu conseguia pensar era na minha mãe e em pedir a Deus que acalmasse o coração daquele garoto e que não o deixasse fazer nada de mal com a gente.
Não tenho ideia de quanto tempo durou aquele menino ali, indo e voltando pra onde estávamos. Os amigos dele tentando tirá-lo de lá e ele toda hora voltando. Pra mim aquilo foi uma eternidade. Não quero passar por aquela situação nunca mais na vida. Uma impotência enorme. Uma consciência de que estávamos ali totalmente nas mãos daquele garoto desorientado e fora de si. Eu acho, apesar dele ter ameaçado dar um tiro na nossa cara, que ele não estava armado. Porque da maneira como ele estava fora de si, se tivesse armado tenho certeza que ele teria ameaçado a gente com a mão na arma.
Foi horrível. O pior momento da minha vida mesmo.
Eu queria sair dali o mais rápido possível, queria ligar pra minha mãe pra ouvir a voz dela, queria sumir e nem sequer pensar em voltar em um lugar como aquele novamente. Mas de alguma maneira todos decidimos continuar ali e entregar a casa. Talvez a vontade de todos fosse de ir embora. De largar aquilo. Não valeria a pena morrer por ser voluntário em uma causa. Tenho certeza que alguém pensou isso. Eu pensei.
Mas algo nos fez ficar ali. Algo nos fez acreditar que aquele garoto não voltaria para nos fazer mal. Decidimos que ficaríamos e terminaríamos a casa (mesmo que todos estivessem com medo, porque tenho certeza que eu não estava sentindo aquilo sozinha). Decidimos não deixar o mal vencer. O que agora, pensando friamente, acho que foi uma maluquice e um risco enorme que corremos, mas sei lá o que deu na nossa cabeça. Continuamos.
O garoto voltou mais tarde, com uma expressão um pouco diferente e pedindo desculpas pelo que havia feito mais cedo. Eu só queria que ele sumisse dali. A presença dele me fez novamente tremer por inteira. Senti um desespero e uma vontade enorme de chorar. E eu só conseguia pedir a Deus pra tirar o garoto dali.
Ele foi embora, mas depois passou novamente por lá pelo menos mais umas 4x. E em todas eu gelava inteira. Foi realmente horrível.
Mas no decorrer do dia tinha Riquelme, tinha Tales, Luan, e Nycole. Todos tão queridinhos no meio da gente que, mesmo sendo difícil, conseguimos nos distrair do que tinha acontecido.
E finalizamos a casa. E foi lindo.
Eu já estou morrendo de saudade, principalmente da Nycole. Mas semana que vem estaremos de volta lá, pra pintarmos e entregarmos oficialmente a casa. Espero que ela esteja lá, porque estou morrendo de vontade de dar um abraço apertado nela.